Em 2010, na primeira de suas duas passagens pelo Baenão (voltaria ainda 2 anos depois), o atacante piauiense Marciano chamava a atenção pelos gols e por uma curiosidade. O jogador era formado em Direito e estava prestes a fazer a prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), na qual foi aprovado de primeira. O jogador continua atuando e, ano passado, foi campeão de estadual pelo River (PI). Recentemente, passou em concurso público e é policial civil na Bahia (BA). Quando parar de jogar, afirma que pretende prestar outro concurso, dessa vez para ser delegado, mesma profissão do pai, hoje aposentado.
Do mesmo River (PI), o Remo contratou o goleiro César Luz, que tem algumas similaridades com essa situação. Nascido em Guaratinguetá (SP), Sebastião César Ribeiro Salles Luz entrou na Faculdade Salesiana de Lorena (SP), uma das unidades do Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo), para estudar Direito. Ele estava nas categorias de base do São Caetano (SP) e ia para as aulas à noite. De segunda a sexta-feira, ele percorria os 204 quilômetros que separam as duas cidades do interior paulista para as aulas e nem sempre conseguia chegar a tempo.
“Tenho que agradecer muito aos professores por entenderem as faltas e atrasos”, lembra, rindo, o jogador, que quando concluiu o curso já estava no elenco profissional do Guaratinguetá (SP), da cidade de mesmo nome e, dessa vez, bem mais próximo de Lorena (SP).
No futebol brasileiro, ainda são raros os casos dos jogadores que conseguem aliar o estudo acadêmico com a bola. Três histórias recentes vêm justamente do gol, com Victor (Atlético-MG e Seleção Brasileira) e Rafael Cabral (Nápoli e Seleção Brasileira) formados em Educação Física, e Danilo Fernandes (Corinthians-SP), que está concluindo o curso de Administração.
Não há um estudo que indique o grau de escolaridade do jogador de futebol profissional no Brasil. Há apenas indícios de que ele é baixo. Em artigo de 2013 no Portal da Educação Física, o coordenador dos cursos de treinadores da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Maurício Marques, afirmou que o nível de escolaridade do jogador atleta é capaz de influenciar a sua performance em campo, além de facilitar a transição para a vida que se abre ao pendurar as chuteiras.
“A capacidade de interpretar o discurso do treinador, as questões do treinamento, a ciência do esporte e a questão científica por trás do treino, têm a ver com o nível educacional”, explicou. “Existem estudos que indicam que, ao ter uma formação, o atleta consegue ter um planejamento mais completo da sua pós-carreira esportiva”, conclui Marques.
Para o goleiro azulino, o curso de Direito proporciona muitas opções profissionais, mas a que ele vai seguir ainda está sob análise. “São diversas áreas para advogar e há uma infinidade de concursos públicos relacionados”, disse. “Pretendo partir para área de concursos quando encerrar a carreira no futebol”, completou César Luz.
Onde você fez faculdade? Conseguiu fazer em apenas uma instituição de ensino ou teve que transferir por causa de trocas de times?
Iniciei o curso em São Caetano do Sul (SP), quando ainda estava na base do São Caetano (SP). Concluí o curso na Unisal, de Lorena (SP), na época estava jogando pelo Guaratinguetá (SP).
Muitos jogadores alegam que é difícil conciliar estudos com a profissão de atleta profissional. Como foi para você ter essas duas atividades paralelas? O futebol, com jogos e concentrações, em algum momento atrapalhou as aulas?
Realmente não é fácil. Contei com flexibilidade do clube, pois sempre ia para as concentrações após as aulas. Na faculdade, tenho que agradecer muito aos professores por entenderem as faltas e atrasos.
Você acha que falta incentivo na base dos clubes para que os garotos mantenham-se na escola e que procurem uma formação?
Infelizmente, em todos clubes que passei não vi muito incentivo para que os atletas da base continuem estudando, mas claro que muito tem que partir do próprio jogador.
O que o levou a escolher pelo Direito? Era um sonho antigo ou algo que tomou maior conhecimento por meio de conhecidos, familiares?
Venho de uma família que não teve oportunidade de estudar, mas sempre me incentivou a não deixar o estudo de lado. Me interessei pelo Direito pelo leque de opções que te proporciona seguir. São diversas áreas para advogar e há uma infinidade de concursos públicos relacionados.
Por enquanto é apenas bacharel ou já tem OAB? O curso de Direito abre várias opções profissionais. Pretende seguir como advogado, prestar concurso para outra profissão ou até trabalhar na área do futebol depois que pendurar as chuteiras?
Por enquanto sou apenas bacharel, ainda não prestei a prova da OAB. Quem sabe futuramente? Pretendo partir para área de concursos quando encerrar a carreira no futebol.
O quanto essa formação lhe ajuda nas negociações com os clubes que o procuraram interessados em sua contratação? Quando os companheiros de elenco sabem que você é formado em Direito, chegam a pedir orientações ou informações? Já teve que, por exemplo, ler o contrato de algum amigo para saber se estava tudo correto?
Facilita em muitos aspectos não só com relação aos contratos. Sempre que posso, ajudo um amigo ou outro, tendo uma base geral da área jurídica. Porém, a área trabalhista e o Direito Desportivo não são meu forte.
Como você vê a atuação do movimento “Bom Senso” no futebol brasileiro? Você acha que é um trabalho que vai beneficiar os atletas profissionais, em especiais os que estão fora da elite dos grandes clubes?
A criação do “Bom Senso” sem dúvida é algo muito positivo. Tenho dúvidas ainda se realmente ajudará aos jogadores de times menores. O futebol hoje está muito baseado em negócios, interesses financeiros e, infelizmente, os direitos individuais de jogadores e torcedores têm ficado em segundo plano.
Amazônia, 26/01/2015