Fábio Bentes
Fábio Bentes

Os clubes do futebol brasileiro poderão passar, em breve, por uma mudança radical em suas gestões, com a implantação de uma nova forma administrativa. Está em curso no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5.516/2019, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que permite a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

No entendimento do parlamentar, a nova forma de gerenciamento fará com que os clubes se modernizem, seguindo o modelo já adotado em outros países, principalmente Espanha e Portugal, que serviram de base para o PL, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara.

O projeto propõe a criação de uma nova estrutura societária para o futebol brasileiro, com a adoção de um conjunto de regras especificas para o mercado do esporte. O texto, instruído pelos advogados José Francisco Manssur e Rodrigo Monteiro de Castro, estabelece normas de governança, controle e transparência das gestões dos clubes, além de abrir horizontes de financiamento para as instituições.

A nova forma administrativa promete investimentos privados, gestões modernas e crescimento dos clubes. O PL já é combatido por especialistas em gestões esportivas, mas tudo indica que a proposta de criação do clube-empresa será regulamentada no país. Dado o aval pelo Senado, a proposta deverá ter sua aprovação ratificada pela Câmara, na qual já há grande movimento neste sentido.

A ideia já vem sendo discutida na casa legislativa desde a época do ex-presidente Rodrigo Maia. No bojo do projeto está incluída a ideia que os clubes, diferentemente de uma sociedade anônima comum, crie debêntures específicas, ou seja, títulos de dívida que o clube-empresa poderia emitir no mercado financeiro para captar investimentos com juros mais baixos.

Embora sejam os principais alvos do PL, os clubes pouco têm se manifestado sobre a proposta. De bate-pronto, apenas o São Paulo (SP) já se manifestou favorável à proposta, anunciando que deverá adotá-la assim que o projeto se transformar em lei.

Projeto é visto com bons olhos pela dupla Re-Pa

Os presidentes de Remo (Fábio Bentes) e Paysandu (Maurício Ettinger) acompanham atentamente a tramitação do PL, que deverá causar uma mudança radical no futebol brasileiro, talvez a maior já ocorrida na história desse esporte no país.

Para Bentes, caso o projeto venha mesmo a se transformar em lei, todos os clubes sairão ganhando, em especial aqueles de maior apelo popular.

“Acho que vai ser bom para todo mundo, principalmente para os clubes de massa, como o Clube do Remo”, afirmou o dirigente azulino.

O presidente bicolor, por sua vez, vê o projeto que deve virar lei como um avanço no futebol brasileiro.

“Considero uma evolução importante para o nosso futebol. A transformação de clubes tradicionais, que hoje são associações sem fins lucrativos, em clubes-empresas, deixará o mercado mais atrativo a investidores e necessariamente trará mais profissionalização e responsabilidades ao negócio futebol no Brasil”, apontou.

O presidente azulino admite que, como toda mudança, haverá ganhos e perdas para os clubes, contudo, as vantagens, na visão dele, serão maiores.

“O clube-empresa tem uma série de vantagens do ponto de vista tributário, fiscal e trabalhista. Os clubes vão poder tentar sanar as dívidas todas. Isso é bom para a reestruturação dos clubes, principalmente para aqueles que estão devendo muito”, elogiou.

“A perda é que deixaremos de ter algumas vantagens, como, por exemplo, a imunidade tributária”, completou Bentes.

No geral, para Ettinger, a mudança traz mais benefícios do que prejuízos aos clubes.

“Entendo que temos muito mais aspectos positivos que negativos. Do lado negativo, haverá a perda das isenções fiscais e benefícios previdenciários. Do ponto de vista positivo, os clubes poderão receber aporte de capital, poderão fazer planejamentos mais consistentes, haverá mais responsabilidade na gestão e uma profissionalização de todo o corpo diretivo dos clubes”, salientou o bicolor.

No que diz respeito ao exemplo dado pelo Bragantino (SP), que trabalha, atualmente, quase que dentro do que deverá oferecer a nova lei, os dirigentes têm praticamente a mesma opinião.

“O Bragantino (SP), sem dúvida, é uma referência, mas existem muitas outras vantagens oferecidas pela proposta que eles não podem aproveitar neste momento com a atual legislação. Com a mudança, o clube vai poder se beneficiar dessas vantagens”, observou Bentes.

“O Bragantino (SP) é uma realidade. Depois da parceria com a Red Bull, o clube criou uma estrutura esportiva mais sólida e já está colhendo resultados com pouco tempo de operação. É algo que serve de inspiração”, concordou Ettinger.

Enxurrada de críticas

Ainda em tramitação no Congresso, o PL 5.516/2019 já vem recebendo uma enxurrada de críticas disparadas por especialistas em gestão do futebol e estudiosos do assunto. Entre esses críticos estão o jornalista Irlan Simões, que se dedica ao tema há anos, e o consultor esportivo Amir Somoggi, diretor da Sports Value.

O primeiro, em entrevista à imprensa do Rio de Janeiro, revelou temer que o futebol brasileiro, com a mudança em vista, caia nas mãos de grupos privados “inescrupulosos”.

O autor do PL, deputado Rodrigo Pacheco, assegura que o SAF melhoraria a gestão dos clubes, ampliaria o valor de mercado das competições nacionais e, ainda, aumentaria os ganhos dos clubes. Tudo isso, tomando por base modelo adotado pelo futebol europeu, mas Simões contra-ataca afirmando que a proposta possui “excesso de mentiras”.

“Não é verdade que os clubes que viram empresas são mais bem geridos e ficam mais ricos”, rebateu o jornalista.

“Os times europeus são mais ricos porque a economia de lá é melhor”, argumentou Simões.

Na visão de Amir Somoggi, o SAF não solucionará os principais problemas dos clubes brasileiros.

“Não tem nada que garanta que o futebol brasileiro saia do atoleiro e tenha boas gestões. Não é uma canetada de um deputado que vai mudar 30 anos de sonegação fiscal e má administração, transformando em gestões modernas e em uma economia pujante”, disse o consultor esportivo.

Gestão dos clubes sofreria alterações significativas

A possível aprovação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) pelo Congresso determinará – imagina-se – o fim de um modelo de gestão dos clubes brasileiros bastante conhecido pelo público.

Atualmente, as principais instituições do futebol nacional são geridas, hierarquicamente, pelo presidente, pelo executivo de futebol, pelos diretores de outros departamentos, além dos Conselhos Deliberativo, Fiscal, Administrativo e Consultivo. O que mudaria com a SAF?

Gerencialmente, muita coisa. Os clubes ainda seriam dirigidos por um presidente eleito. O Conselho da S.A., no entanto, seria formado por pessoas indicadas pela empresa e pelo clube. No degrau inferior, o CEO teria a responsabilidade de gerenciar o que realmente interessa ao torcedor: o futebol, com a presença de executivos de diversas áreas, todos remunerados e cobrados por resultados, como em qualquer empresa, sem as ligações sociais ou hierárquicas que se encontram nos quadros sociais dos clubes atualmente.

Outra inovação proposta pelo projeto é o aparecimento da figura dos investidores, responsáveis pela receita do futebol, pela gestão do estádio e ainda arcariam com as dívidas que o clube carrega no momento da adesão ao modelo empresarial.

A área social ficaria a cargo do clube, que teria um diretor para a função. Nesse novo modelo, haveria, por exemplo, um enfraquecimento do poder dos Conselhos dos clubes.

Como nem tudo é vantagem na proposta, a mudança imporia aos clubes uma carga tributária maior, já que atualmente, por não serem empresas, contam com isenção de tributos.

Exemplos na prática

Red Bull Bragantino (SP)

O Red Bull Bragantino (SP) é administrado em regime de Sociedade Limitada. Não há busca por investidores e vendas de ações. Em abril deste ano, a empresa anunciou um acordo para assumir a gestão do clube. Atualmente, a companhia de bebidas trabalha no pagamento das dívidas do parceiro. Existe a possibilidade de a empresa manter a sua equipe com sede em Campinas (SP). A Red Bull acompanha a discussão sobre legislação específica para clube-empresa e a tendência é mudar para o novo formato, se o projeto vingar. Por ser uma empresa, o Red Bull Bragantino (SP) não se beneficia das isenções de impostos dadas aos clubes sem fins lucrativos.

Botafogo (SP)

Desde maio de 2018, a Trexx Holding, empresa de investimento comandada pelo ex-diretor de futebol do São Paulo (SP), Adalberto Baptista, detém 40% das ações do clube. Para tanto, aplicaram R$ 8 milhões. O clube é gerido por um Conselho de 7 pessoas, sendo 3 delas indicadas pelo clube, 2 pela Trexx e 2 independentes. O time disputa a Série C do Campeonato Brasileiro. Apesar da modernização do estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto (SP), e do time viver um momento estável, há críticas internas e turbulências em relação à gestão.

Figueirense (SC)

O clube de Santa Catarina iniciou o processo para virar clube-empresa em 2017, por meio de uma sociedade anônima. A holding Elephant comprou 95% das ações da Figueirense S.A. e se comprometeu a pagar R$ 85 milhões em dívidas. Em troca, ficaria com eventual lucro da sociedade, repassando 5% ao clube. O acordo era válido por 20 anos com opção de renovação por mais 15. Porém, em vez de se notabilizar pela reestruturação do clube, o modelo entrou para a história negativamente. Em 2019, por conta de remunerações atrasadas, jogadores se recusaram a entrar campo contra o Cuiabá (MT), pela Série B do Brasileirão, e o time catarinense perdeu por W.O. Pouco tempo depois, veio a rescisão entre clube e a holding.

Bahina (BA)

Há 21 anos, de maneira pioneira, o Bahia (BA) se tornou uma Sociedade Anônima quando o Banco Opportunity adquiriu 51% das ações do clube. Alua de mel, porém, durou pouco. No fim daquele mesmo ano, a empresa devolveu o poder de administração do futebol aos dirigentes. O time atravessava uma péssima fase em campo, com risco de ser rebaixado à Série C. Anos mais tarde, a queda virou realidade e a parceria chegou ao fim em 2006. Ao Bahia (BA), restou a condição de investigado, já que o Banco Opportunity, segundo investigação da Polícia Federal, teria se envolvido em um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verba pública. Por causa da Operação Satiagraha, Daniel Dantas, dono do Opportunity, chegou a ser preso.

Vitória (BA)

No rival baiano, o Vitória (BA), as lembranças da época de clube-empresa não são nada positivas. Assim como no tricolor, o rubro-negro baiano adotou o novo modelo administrativo em 2000, após o argentino Exxel Group, um dos maiores fundos privados de investimentos da América Latina à época, passar a controlar 51% das ações do Vitória S.A. Uma crise cambial na Argentina, entretanto, afetou o curso da parceria. Em 2004, um ano antes de ser rebaixado à Série C do Brasileirão (junto com o Bahia-BA), o Vitória (BA) passou a readquirir as ações. No fim de 2008, o Conselho Deliberativo do clube decidiu pôr fim à Sociedade Anônima.

Diário do Pará, 11/07/2021

4 COMENTÁRIOS

  1. Esse modelo proposto se for bem implementado e gerido como organização é o caminho para o Remo voltar a ser grande como no passado, só pelo fator de reduzir o poder de conselheiros e afastar sanguessugas já é bem animador.

    O Remo, uma forte marca, com uma torcida imensa e apaixonada certamente será alvo para fortes investidores se zerar as suas dívidas em 2022.

  2. Isso é uma forma de enriquecer cada vez mais as grandes empresas e alguns políticos que intermediarão esse processo. Quando não tiver dando lucro, se saem e deixam o clube em apuros, tal como ocorreu com o figueirense. Sem contar o abandono total do esporte amador.O que deve haver é uma cláusula de responsabilidade penal para o dirigente que destrói ou dilapida o patrimônio do clube em proveito próprio, tal como os ex-dirigentes fizeram com o Remo.

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