Remo 2x1 PSC (Val Barreto)
Remo 2x1 PSC (Val Barreto)

Todo moleque gosta de jogar bola debaixo de chuva. A disposição parece aumentar, a entrega é maior. O cansaço vai embora e vencer vira uma questão de superação. Quando a tarde bonita de sábado deu lugar às nuvens carregadas que desabaram em cascata sobre o Mangueirão, os jogadores de Remo e Paysandu dever ter começado a se aquecer de forma mais furiosa, desejando o apito inicial e lembrando do tempo em que ainda sonhavam em jogar profissionalmente, assim como nas arquibancadas, onde a água e o vento frio atiçavam as torcidas, que não paravam com a festa. Preocupação com a qualidade do espetáculo só mesmo por parte de quem nunca disputou uma travinha sob tais condições. O cenário estava armado. São Pedro cumpriu seu papel de dar o tom da partida e saiu de cena. O clássico começou e foi um dos melhores dos últimos anos.

Em campo, raça e determinação. A técnica também estava por ali, mas por bom senso, escondia-se vez ou outra, com medo de levar um tranco. Não era um jogo fácil e não havia espaço para floreios e demais frescuras. Os jogadores mais leves penavam. Pikachu que o diga. Quantas vezes na madrugada após a partida não deve ter acordado com pesadelos terríveis? O vilão dos seus sonhos não era nenhum Freddy Krueger, mas um baixinho invocado que o marcou de forma implacável. Seu nome: Berg.

Alí, Pikachu não se criou e o Paysandu perdeu a sua principal arma de ataque. Por outro lado, as investidas do lateral bicolor normalmente abrem caminho para o adversário contragolpear pelas suas costas e Fábio Paulista passou como uma bala depois de um toque primoroso de Galhardo. Um corte no zagueiro e a bola na cabeça de Val Barreto. Explosão no lado azul marinho. O gol tinha que ser dele, “Valotelli”. Os deuses do futebol sempre dão uma mãozinha para manter vivo o lado folclórico do esporte.

A partir daí, o ditado “bola pro mato que o jogo é de campeonato”, tornou-se o mantra azulino. O Paysandu tentava pressionar, mas sem conseguir fazer cócegas no rival, que por sua vez, quando chegava ao ataque, ainda que raramente, o cheiro de gol pode ser sentido por todo o estádio.

Ao soar o apito para o início da etapa final, o time bicolor mostrou que aprendeu a lição e foi para cima mais uma vez, só que agora sem rodeios, com vontade de meter a bola para dentro do gol adversário a qualquer custo, típica dos moleques que não aceitam perder e ir para a “grade”. Assim, começou o bombardeio: Rafael Oliveira recebeu na cara do gol e a conclusão para fora, se não igualou o marcador, serviu para incendiar a parte bicolor nas arquibancadas.

O goleiro remista pegou um, dois, três chutes. Em um escanteio, bate-rebate na área azulina, bola no peito de João Neto, a zaga tira em cima da linha e ela resvala na cabeça de Diego Bispo, livre na pequena área, e toma o rumo do céu, por cima da meta. A explicação? Com o Maracanã em reformas, o “Sobrenatural de Almeida” estava de visita no Mangueirão, claro.

Troca de ídolos: o Remo perde o seu. Val Barreto, lesionado, deixa o campo para a entrada de Leandro Cearense. O Paysandu, após 10 anos, tem o seu de volta. Iarley reacendeu a esperança bicolor ao entrar no lugar de Ricardo Capanema, em uma substituição ousada de Lecheva, que provou estar certo. Afinal, os deuses do futebol também gostam de premiar quem mora no coração de milhares de torcedores.

Após um cruzamento da esquerda e desvio para o meio da área, Rafael Oliveira, sozinho, acertou a trave, mas a bola voltou para Eduardo Ramos matar no peito e chutar. No meio do caminho, um pé. O de Iarley. Gol de empate. Assim como “Valotelli”, também tinha que ser dele.

Roteiro até então perfeito para o clássico, mas o final ainda precisava ser escrito. O Paysandu chegaria a uma virada épica? O Leão continuaria rápido e mortal, com a alma na ponta da chuteira? Definitivamente, não era jogo para empate.

A dramaticidade exigia um vencedor. Gritos de alegria e felicidade de um lado; lágrimas, lamentos e bandeiras enroladas de outro. Essa era a lei: no Mangueirão, na tarde/noite de sábado, os fracos não teriam vez. Foi aproveitando a fragilidade da defesa bicolor, em um contra-ataque fatal, que o Remo arrancou a vitória. Leandro Cearense reinvidicou o papel principal da partida. Fábio Paulista mais uma vez foi coadjuvante excepcional e deixou o companheiro na cara do gol. Bastou um toque. Um gol que fez a torcida do Leão gritar: “Está pensando que aqui é o Boca Juniors, Iarley?”.

O juiz não apitou o final de jogo em seguida, mas poderia. O jogo estava decidido. Bravos guerreiros bicolores caíram de pé. Bravos guerreiros azulinos não esmoreceram em nenhum instante. Mantiveram o sangue frio e deram o bote. Deixaram o campo orgulhosos, com a certeza de que fizeram parte de um dia inesquecível e que contarão para quem quiser ouvir sobre o seu feito, como quando eram moleques e chegavam em casa cobertos de lama da cabeça aos pés, narrando em detalhes as suas jogadas.

Diário do Pará, 28/01/2013