Ainda existem torcedores que dividem sua torcida (e o coração) entre dois ou mais clubes
Ainda existem torcedores que dividem sua torcida (e o coração) entre dois ou mais clubes

16/12/2012. Nesse dia, no Estádio Internacional de Yokohama, no Japão, o Corinthians (SP) faturava o bicampeonato mundial de clubes. Em São Paulo, a cidade foi tomada pela torcida que é conhecida por ser “um bando de loucos”. Eis que aqui em Belém, distante um pouco mais de 3 mil quilômetros da capital paulista, uma versão menor, mas barulhenta, do bando de loucos. A Avenida Doca de Souza Franco virou uma filial da Avenida Paulista, com festa até altas horas da noite em comemoração ao título. O fato dividiu opiniões a respeito de um velho assunto: até que ponto é certo ou errado torcer desse jeito por um time de fora do seu Estado?

Essa semana, a discussão voltou à tona com força total, após a confirmação de que o Clube do Remo enfrentará o Flamengo (RJ) no primeiro jogo da Copa do Brasil, no dia 03/04.

Os que são veementemente contra afirmam, entre outras coisas, que torcer por um time de fora é como negar suas raízes; já os que não veem problema nisso argumentam algo bem simples: livre arbítrio, cada um tem liberdade em suas escolhas. Em meio a isso, outro questionamento aparece: será que o Mangueirão, em abril, não será tomado mais por torcedores chamados “mistos”, codinome dado para pessoas que torcem para mais de um time, além do da sua cidade? Os azulinos, de coração perderão essa batalha?

O fato é que o site oficial do clube carioca parece acreditar que será um encontro com os “rubro-negros do Norte”, quando publicou a notícia do jogo contra o Remo. Para Jeft Diaz, 25 anos, apaixonado pelas cores do Leão Azul, não. Jeft, que é totalmente contra a paixão por clubes de fora do Pará, crê que a torcida azulina será maior em abril. “A torcida do Remo vai ser maioria, já que o time está numa fase muito boa. Vão ter muito ‘flamenguistas’, mas a maioria tem o Remo como o primeiro time, então isso é mais um fator para que a torcida do Remo seja maior”, prevê. “Ter simpatia é supernormal. Agora torcer, financiar, dar ibope para os times de fora e esquecer que existe futebol no seu Estado é bobagem. Enquanto os mistos forem maioria, o nosso futebol vai continuar sendo ‘capenga’. O torcedor é tão importante quanto uma boa administração”, opina.

Em um tempo em que as redes sociais estão servindo como plataforma de expressão de opinião, o assunto, claro, é bastante evidente nos grupos ligados a Remo e Paysandu, especialmente no Facebook. Na última terça-feira, o funcionário público Thiago Silva, 30 anos, foi irônico ao proteger o que classifica como liberdade de expressão, em uma publicação em que defende sua torcida por Flamengo e Corinthians no grupo “O Remo é Meu”. “Fala sério: não me venham dizer como tenho que torcer ou seguir ‘regras’ de torcida. Sou um Flamenguista, Sou da Fenômeno Azul e sou Louco Corinthiano”, dizia a postagem.

A publicação gerou muita polêmica e mais de 500 comentários, a maioria, criticando a postura do torcedor. “Queria esclarecer o ocorrido. Sou torcedor do Remo, sempre vou aos jogos com a camisa. O que postei no grupo foi com a intenção de que todos devem respeitar a preferência de cada um, pois já tinha gente falando que ia baixar a pancada em quem fosse com camisa de outro time. Onde esta a liberdade de expressão?”, questionou Thiago, que garante que dia 03/04 vai torcer só para o Remo.

Grandes clubes conquistam torcedores locais

Existem vários outros torcedores paraenses que dividem sua torcida com dois, três, até quatro times, do eixo Rio-São Paulo. O motivo para essa difusão de paixões clubísticas Brasil afora pode ter uma ligação direta a algo que, a cada dia que passa, vem sendo mais utilizado pelos grandes clubes: o marketing esportivo. Este fenômeno, associado a grandes conquistas dentro de campo, consegue expandir o alcance do clube.

“Os clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, especialmente o Corinthians, possuem um trabalho de marketing muito forte que vem se alastrando por todas as redes sociais. Esses espaços impulsionam o que a grande mídia já faz”, explica a jornalista Elva Vieira, 26 anos, trabalhando com mídias sociais há pouco mais de um ano em São Paulo.

No ano passado, por exemplo, os paraenses sentiram na pele o poder desse marketing midiático. O Independente de Tucuruí enfrentou o São Paulo (SP) pela mesma Copa do Brasil, com Mangueirão infestado de tricolores, o que fez os paulistas se sentirem praticamente no Morumbi. Tudo bem que o Independente tem uma torcida pequena, principalmente em Belém, mas era de esperar pessoas torcendo pelo time paraense.

No entanto, a conversa agora é outra, pois se trata de um dos mais tradicionais clubes do Norte e Nordeste do país e é nessa força que o auxiliar administrativo Paulo Vieira, 25 anos, confia para o Estádio Olímpico Mangueirão ficar infestado de apaixonados, não pelo time carioca, mas sim pelo Leão. “Sou flamenguista, mas sou nortista e sempre vou levantar a bandeira do meu Estado. O Remo é o time que amo. Aqui não tem esse papo: sempre seremos maiores”, confia.

Em meio a discursos certos e errados, todos esperamos que algum dia esse debate possa cessar. Assim, Remo e Paysandu, por meio de suas próprias conquistas, consigam ficar no mesmo patamar dos grandes clubes em todo o Brasil. É pedir muito?

Diário do Pará, 10/02/2013