Jovens promessas são assediadas antes mesmo de tornarem-se profissionais

A venda de Yago Pikachu, revelação bicolor na temporada, para um grupo de investidores por R$ 800 mil botou em pauta o grande negócio que se configura o investimento nas divisões de base de um clube. Com a proximidade da disputa da Copa São Paulo de Futebol Junior, os olhares se voltam para as equipes de Remo e Paysandu que vão representar o estado na principal vitrine do futebol de base do país. Alguns desses olhares com particular cobiça.

Abelardo Sampaio, ex-diretor de Remo, Tiradentes e outras agremiações, se manifestou nas redes sociais esta semana reclamando da atuação nociva de alguns empresários, que estariam abordando os garotos durante os treinamentos da base para tirá-los dos clubes. “Não falo de uma situação específica, mas tem repercutido o fato de empresários e agentes de jogadores, ao invés de procurar os clubes, abordarem diretamente os atletas e os estimulam a se desvincular dos clubes”, explicou Abelardo.

Com sua experiência dentro do esporte, Abelardo considera, além de falta de ética com o clube formador, um comportamento anti-profissional. “Quando um empresário aparece prometendo mundos e fundos para um atleta de pouca instrução, ele não tem como recusar. Se fosse um profissional sério, o empresário deveria procurar o clube e, dentro da lei, realizar os trâmites de transferência, pois aí há um processo legal onde o próprio atleta teria mais garantias”, disse.

Casos de atletas, recém saídos da base às vezes, entrando na justiça para conquistar o passe livre ou que simplesmente desaparecem dos clubes após a abordagem de empresários não são uma situação tão incomum. O que nossos clubes fazem para proteger seus atletas de base, supostamente um de seus principais patrimônios, de empresários interesseiros? Que risco se esconde por trás da lábia poderosa e promessa de um futuro de salários vultosos em grandes equipes?

Perigo no caminho: tráfico humano

Lionel Andrés Messi, abandonou a cidade de Rosário, na Argentina, aos 11 anos, para ir morar em Barcelona e atuar na base de um dos maiores clubes do mundo. Hoje, aos 25 anos, Messi é o maior jogador de futebol do planeta. Essa é a esperança que move cada jovem que abandona sua cidade natal e passa a viver longe da família – a promessa de uma nova vida com o futebol. A história de Messi, no entanto, é uma grande exceção à regra. O trânsito de jovens e crianças levados por empresários acaba sendo uma porta de entrada para um grande problema social: o tráfico humano.

Definido como o comércio ilegal da vida humana, o tráfico humano atinge, segundo estatísticas da Fundação Tearfund de Erradicação da Pobreza, mais de 2 milhões de pessoas por ano, que passam a viver em condição de dependência e escravidão. No caso dos jovens atletas, muitas vezes são abandonados pelos agentes. Longe da família, às vezes sem sequer saber falar o idioma local, ficam à mercê da própria sorte ou sob o jugo de quem os levou para lá.

Segundo Jean Claude Mbvoumin, representante da ONG e ex-jogador da seleção de Camarões, muitas equipes europeias admitem receber frequentemente “ofertas de traficantes que tentam vender, como se fossem mercadorias, garotos de 13, 14 anos”. Jean cita que para burlar as legislações e fechar contratos, os agentes falsificam a idade dos jogadores nos seus documentos, tornando-os aptos a assinar contratos.

Falta profissionalização para segurar os atletas

No Clube do Remo, o vice-presidente do futebol amador, Ulisses Oliveira, reconhece que há um problema de aliciamento de atletas. “Cerca de cinco atletas da nossa delegação que vão à Copa São Paulo estão sofrendo assédio direto de empresários”, diz ele, que coordena um total de 100 atletas nas divisões de base azulinas.

Ulisses considera que o problema é sério e de difícil resolução e aponta a assinatura de contratos profissionais com os atletas como uma saída para proteger os jogadores. Informa ainda que os jogadores do elenco que vão disputar a Copinha só embarcarão após assinar contratos com o clube.

Para Carlos Alberto Mancha, coordenador de divisões de base do Paysandu, o principal problema se localiza na transição para o elenco profissional. “É neste momento que o clube muitas vezes perde os jogadores, por não ter a estrutura profissional para assimilar os atletas”, diz Mancha.

Há 11 anos trabalhando no clube, Mancha gerencia um total de mais de 190 jovens e crianças nas divisões bicolores. “Não há problemas com os atletas, há problemas com o próprio clube que não prepara os mecanismos legais para segurar os atletas. A profissionalização é um problema em todos os clubes de Belém”, lamenta o coordenador bicolor.

Na Tuna Luso, encontramos o clube com maior histórico de revelação de atletas e investimento na base. “Atualmente contamos com cerca de 700 garotos jogando futebol na Tuna desde a categoria sub-8 e temos planos para ampliar esse grupo para até 2 ou 3 mil crianças e jovens”, diz Evaldo Silva, diretor das divisões de base cruzmaltinas.

Ele lembra que o clube tenta tomar cuidado com intromissão de empresários, mas é difícil controlar o acesso de pessoas ao clube por conta do grande número de pais e parentes que circulam por lá. “Hoje os empresários procuram atletas ainda na faixa dos 14 aos 17 anos. É complicado porque é uma faixa etária onde muitas vezes o atleta não pode assinar contrato como profissional”, diz Evaldo.

O diretor cruzmaltino cita as atitudes de federalização e de contratos de ajuda de custo com os atletas jovens, mas lembra que mesmo isso não segura totalmente os jogadores.

Diário do Pará, 23/12/2012