Grafite
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Da elite, sem escalas, para o inferno da Série D, última divisão do Brasileirão, e de volta ao paraíso da competição. Esse foi o trajeto feito pelo Santa Cruz (PE) em 10 anos. Uma façanha que pode servir de inspiração a tantos clubes, entre eles o Remo, que este ano, finalmente deixou a Série D e passou a mirar voos mais altos.

O retorno do Leão à elite nacional ainda é, sem dúvida, um sonho mais distante. Todavia, o feito da Cobra Coral, apesar do caminho tortuoso seguido pelo time, pode ser adotado, em parte, como uma espécie de roteiro a ser seguido pelos azulinos, que há 21 anos não disputam a Série A.

O retorno do Santa não teve nenhum grande projeto, “como se pode pensar, olhando à distância”, conforme revela o jornalista paraense Leonardo Aquino, 34 anos, sendo 4 deles radicado em Recife (PE). Segundo ele, durante o tempo em que ficou afastado da elite nacional, o Santinha padeceu devido os diversos problemas comuns no futebol que teve de enfrentar, tais como demissões de técnicos, salários atrasados, momentos de grupo rachado e por aí afora.

“Acho que para cada um dos acessos, houve um ou dois desses fatores”, diz Aquino, correspondente da revista Placar em Pernambuco.

Nem mesmo um investimento de peso, como se pode equivocadamente imaginar, foi feito pelo Santa Cruz (PE) nestes últimos anos, mas sobretudo nesta temporada. O único atleta de destaque levado para o Arruda, o estádio tricolor, foi a aquisição de Grafite, com salário fora dos padrões do clube: R$ 160 mil. Porém, a aquisição do atleta acabou se constituindo, como salienta Aquino, em uma “tacada de mestre” da diretoria.

Entretanto, se o time não conta com uma legião de craques, pelo menos tem um ingrediente que falta ao bicampeão paraense: a união de seus dirigentes em torno de uma causa. “Não se ouviram histórias de dirigentes querendo derrubar uns aos outros”, explica Aquino.

Comparados, Santa e Remo possuem perfis pelo menos um pouco parecidos. Entre outras semelhanças, ambos possuem tradição e grandes torcidas em suas respectivas regiões, além da falta de infraestrutura, gerenciando suas divisões de base de maneira precária, o que não os impede de revelar, vez ou outra, bons jogadores.

A diferença maior está no fato de o Santinha já ter alcançado o objetivo que perseguia desde 2007, enquanto o Remo só está dando os primeiros passos neste sentido, caminhada que precisa ser cercada de cuidados para que tombos sejam evitados.

Leonardo Aquino conhece bem o futebol do Pará, seu Estado de origem, onde atuou em diversos órgãos de comunicação. Embora tenha acompanhado ao vivo apenas parte da saga do Santa Cruz (PE) na luta do time para retornar à Série A do Brasileirão, Aquino, que é formado em jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com pós-graduação pela Universidad Nacional de Rosario (Argentina) e Faculdade Casper Libero, de São Paulo, também conhece bem o caminho percorrido pelo time pernambucano até o heróico retorno à elite nacional. Aquino falou, entre outras coisas, da lição que o Remo pode tirar da façanha empreendida pelo Tricolor pernambucano. Acompanhe:

O que mais contou para esse ressurgimento do Santa Cruz (PE) no cenário na nacional?

Em minha opinião, não houve um grande projeto, como se pode pensar olhando à distância. Nessas temporadas dos acessos seguidos, o Santa teve muitos problemas comuns: demissões de técnicos, salários atrasados, momentos de grupo rachado. Acho que para cada um dos acessos, houve um ou dois fatores fundamentais específicos. No primeiro acesso (da Série D para a C, em 2011), houve a capacidade do técnico Zé Teodoro em montar um time com jogadores formados na base do clube e reforços baratos. Além disso, a torcida abraçou demais o time. Pelo que lembro, este foi o ano da maior média de público do Santa em uma temporada. No acesso da Série C para a B, em 2013, a base de 2011 já estava um pouco fragmentada, mas o técnico Vica conseguiu montar um time com um perfil copeiro, que conseguiu a classificação para o mata-mata nas últimas rodadas e se impôs nos jogos eliminatórios. Na volta à elite, o ponto de virada foi a chegada do técnico Marcelo Martelotte, que conseguiu fazer o time renascer depois de um péssimo começo de campeonato. Mudou o esquema tático do time e conseguiu uma arrancada na hora certa. O que posso acrescentar como mérito neste acesso mais recente é uma atenção maior para o marketing. A contratação do Grafite contribuiu para um aumento significativo no número de sócios do clube.

O investimento foi alto?

O único investimento alto foi na contratação do Grafite. Comenta-se que o salário dele é em torno de R$ 160 mil por mês, o que está muito acima do que o Santa Cruz (PE) costumava pagar a um jogador, mas foi uma tacada de mestre. O Grafite tinha uma espécie de dívida de gratidão com o clube, por ter jogado no Tricolor em 2001 e 2002 e se tornado um ídolo da torcida mesmo sem ganhar um título. O atacante é casado com uma pernambucana e tem residência fixa no Recife (PE). Então, tudo conspirou para que ele topasse jogar aqui, mesmo tendo bola para estar em time de Série A. A vinda de um jogador como o Grafite aumentou o potencial de marketing do clube. O número de sócios cresceu quase 4 vezes. Também houve resultados nos bastidores. Apesar de ter um salário bem maior que os dos companheiros, Grafite nunca se comportou como a estrela da companhia. Manteve a humildade e a postura de quem chegou pra somar.

Qual o papel do torcedor?

Acho que a torcida foi importantíssima quando o time estava no fundo do poço. As maiores médias de público do Santa foram nos anos da Série D. Quando o clube passou a jogar campeonatos mais longos, os números diminuíram um bocado e você não via o Arruda lotado como uma rotina. Apesar disso, posso dizer que a torcida nunca abandonou o time.

Os dirigentes se uniram em torno de uma causa?

Ao que me parece, houve essa união, sim. No meio desses 3 acessos, houve uma mudança de gestão no Santa Cruz (PE). Saiu Antônio Luís Neto e entrou Alírio Moraes, mas o perfil da administração não mudou muito. Tanto que o diretor de futebol da primeira gestão é o atual vice-presidente. Além dessa continuidade, não se ouviram histórias de cartolagem esfacelada e um querendo derrubar o outro, como aconteceu no Remo.

Você, particularmente, acho que esse percurso feito pelo Santa pode servir de exemplo a outros clubes, entre eles o Remo?

Sem dúvida. Santa Cruz (PE) e Remo são equivalentes em tradição, grandiosidade na região e torcida. Além disso, os perfis dos clubes são parecidos: não possuem uma grande infraestrutura, conduzem as categorias de base no improviso e, ainda assim, conseguem revelar jogadores. Acho que o primeiro passo que o Remo precisa seguir é acabar com esse racha na administração. Escolher um presidente que possa oxigenar a gestão, com ideias novas, diplomacia o suficiente para unir os cartolas e que seja um bom negociador. Outro passo é que o técnico seja um devorador de futebol, que acompanhe campeonatos de todo tipo e que possa ter um amplo conhecimento do mercado. O seguinte é dar a esse treinador a confiança para que desenvolva um projeto de trabalho de um ano, que tenha como principal objetivo a volta à Série B. Isso inclui a tolerância a erros e derrotas no Parazão e na Copa Verde, que são importantes, mas bem menos importantes que um novo acesso. Creio que em dois pontos o Remo não está muito atrás do Santa: Primeiro, guardadas as devidas proporções, o Eduardo Ramos representa para o Remo o que o Grafite tem sido para o Santa Cruz (PE). Segundo, a captação de sócios também está em um excelente ritmo mas, para 2016, não adianta manter esses dois pontos. É preciso avançar, principalmente na contrapartida ao sócio-torcedor adimplente. Quem ajuda o clube quer, no mínimo, prestação de contas e resultados.

Diário do Pará, 29/11/2015